Tuesday, October 31, 2006

Sophie Bexter

Por favor, não derrames mais teu pranto.
A saudade foi grande, mas já está tudo em seu devido lugar.
Dê-me um abraço e libertes os demônios que te afligem no conforto de meu seio
Aguça os ouvidos para o que estou a dizer:
Eu te amo, amigo.

Guarda estas palavras em tua eternidade;
abre teus olhos, enxuga as pesadas lágrimas e contempla;
quero a tua companhia agora, não posso esperar.
O tempo, a vida e o destino já se encarregaram de nos separar.

Preciso ouvir teu riso, sentir tua felicidade escapar...
pelos poros e pelos vãos entre os dentes.
Ouvir o estalo de teu beijo impulsivo e sincero em minha face,
sentir tuas mãos nas minhas,
me arrastando e encarecidamente dizendo meu nome.
Ouvir o teu correr e ir ao teu encontro, sabendo que estás a chegar.

Entrar em sério conflito com tua opinião,
contestar tuas convicções
ensinando-te a desprezar o próprio orgulho e aprendendo a ceder.

Amo-te mais do que a mim mesma
e quando te afastas,
é uma parte de mim que foge e depois volta como tudo nessa vida.



Miss Mono
17/03/2005

Sunday, October 22, 2006

Grande Porto

Nunca fui de promessas. Passei a ser quando ser sincera não adiantava mais. Não olhava para o rosto das pessoas; não para depois saber enumerar cada defeito, e sim para saber quem era quem. Era superficial em muitos sentidos, menos quando se tratava de mim. Conhecia-me, entretia-me, aventurava-me, bastava-me. Egoísta não, introspectiva. Pés não se incomodavam com a pedra quente, braços cansavam rápido contra a correnteza, cabelos pesavam - nunca gostara deles -, coração não parava.
Ainda não conhecia bem os livros, desconsiderando os da escola, mas já perguntava-me o porquê de quase tudo que me cercava. A goiabeira, a cerca onde acabava o nosso quintal, a parabólica enferrujada, as palmeiras da entrada da casa, as bicicletas quase grandes demais, os parentes de visitas freqüentes, o balneário, a piscina gigante (de plástico), a garagem recém-construída. Preferia o pão da padaria mais distante, o lanche do bar Tabajara, acampar com crianças mais medrosas, fazer guerra de carrapichos, chegar na escola ao simplesmente atravessar a rua.
Foi-se.

Thursday, October 12, 2006

Continuu

Ela era um moleque, de aparência medíocre, pobre. Atraía recepcionistas de lan house, como uma mulher que as expressões faciais sintetizavam todas as frustrações da vida, ou um cara enorme, cabeludo, talvez metaleiro, porém educado. Era um moleque, resumia-se nisto, sentia-se dentro disto.

Sunday, October 08, 2006

Dia estranho

Às vezes é preciso acreditar no impossível.
Às vezes é preciso fazê-lo.
O medo diante do absurdo, o desconhecido óbvio, um simples desejo.
Seguir na rua um estranho e nunca lhe perder de vista.
Uma avenida lotada, com tráfego caótico, um encontro de amigos, sem nunca perder de vista.
Alguém revela o pranto, caindo na calçada, em desespero, sem consolo.
Seu estranho observa; você também. Ninguém pára.
Só quem está desfalecido e você, que tem a impressão de já ter visto aquilo.
Falta pouco tempo e está quase chovendo.
O estranho tem pressa e você quase o perde. Uma caneta dele cai e você se abaixa para pegar, mas quando levanta...ele já se foi.



Stravinska
08h18
23/02/05

Gia

Gia.
Apaixonei-me por ela. No fim de mais um domingo cinzento, deitada de bruços, esperando algum vestígio de insônia, eu observava a TV distraidamente. Mudando os canais a cada dois segundos, juntando os pés para tentar amenizar o frio, que mesmo embaixo do cobertor, ainda conseguia sentir. De repente, ela surgiu. Ela não – Gia surgiu. Apareceu como um presente, uma festa surpresa, simplesmente Gia. Assim a dona Insônia sentou-se ao meu lado com uma tigela de quindins. Partilhou comigo o nascimento daquela paixão fugaz.
Gia era linda, quase perfeita. Só não o era, porque não era minha. Seus lábios eram o meu pecado, seu sorriso o meu paraíso. O corpo um verdadeiro deleite. Hiperativa, impertinente, doce, impulsiva, assassina, perdida. Gia amou, derramou, fechou os olhos, visitou o inferno e quase não voltou. Viciou-me. Sim, viciou-me em seus gestos, em sua voz, em seu sexo, em sua vida. Enquanto me hipnotizou pelas próximas horas, dona Insônia espalhou-se na cama, deitou no meu colo.
Como quem acorda de um pesadelo, Gia se foi sem que pudesse perceber. Dona Insônia já até roncava, enquanto meus olhos não queriam se fechar. Recusavam-se a esquecê-la , pois não era qualquer uma. Era Gia. A noite passou, o sol escancarou as cortinas com vigor, mas a única luz que eu via era dela.


Stravinska
11h47
03/05/05

Monday, October 02, 2006

Continuó

Lembrou-se! Assim, sem mais nem menos, sem mais querer! Todas as paixões platônicas de tempos remotos (ok, não tão remotos), da sua vida - ela não conhecia as dos outros, tudo muito claramente. Ou não?
Bem, aconteceu. As criaturas pareciam anacrônicas, e se não, eram eqüidistantes no tempo. Inexplicáveis, paixões tórridas aos cinco anos de idade. Ela cresceu e foi ficando pior. A vontade desenvolvia-se junto, não deixando passar nada. Sempre havia alguém de aura encantadora, de imã oculto para o coração dela. Coração? É, não era assim que chamavam aquele em que botavam a culpa? Embora não gostasse de palavras fortes como esta, ela sabia cada denominação. Se não sabia, ao menos sentia exatamente aquilo.
Porém reparou, remetendo sempre à experiência, que um dia tudo acabava. Alguém levava o seu alguém embora (seu alguém?! é, ainda que ninguém soubesse). Alguém mais forte, de poder resoluto em duas mãos invisíveis, um velho carcamano que não ouvia ninguém. Ou uma balzaquiana de vestes sedutoras e atitude estranha. Então ficava só novamente - no âmago. Podia ser dolorido no início, porque a presença alheia é algo que faz diferença, no entanto lá na frente as coisas voltavam a ser como antes. E tinha esperança, esperança..

Continuei

Havia quem dissesse que ela era moça de negócios excusos. Janelas fechadas, porta trancada, silêncio. Era o único apartamento que talvez não combinasse com o aspecto familiar daquela rua. Saía poucas vezes, com roupas um tanto parecidas e uma bolsa ou outra - vermelha ou verde. O caminho da ida era o caminho da volta, o cabelo de hoje era o cabelo de amanhã, o tênis de sola baixa também. A mesmice se apoderara até dos menores movimentos e todos sabiam. E esta coisa de todo dia intrigava quem tinha o mesmo mal, ainda que a espécie fosse diferente. Essa moça das mesmas-coisas-diariamente só podia estar escondendo algo. Ninguém é tão parecido assim todo dia, o dia todo.
Ela tentava achar algo obscuro quando mais nada tinha a fazer. Pensava, pensava. Algumas vezes descobria que nunca teve nada mais a fazer, pois nunca teve algo para de fato começar. Desejava um amor, mas no instante seguinte não mais; dava trabalho amar. Queria roupas novas, porém no instante seguinte não mais; lembrava que novidades assim nunca lhe proporcionavam verdadeira satisfação. Não tinha um negócio excuso, não era assim. Besteira procurar algo que não existe. É que quando se está sozinho inventa-se companhia, já ouvira alguém dizer certa vez. Se houvesse algo obscuro por ali, era a solidão terna dela.