Tuesday, March 13, 2007

Depoimentando

"Beijei uma garota. Me apaixonei, transei, senti saudades. Passamos os fins de semana sem sair da cama, sentindo aquele gosto de amor inesperado e jovem, exalando cheiro de meninice, dando risada do que não tinha a mínima graça. Tomamos banho quase juntas - eu tinha vergonha - e ela pedia pizza de atum. Ligava pedindo colo, fazia dengo 1:30h da madrugada. Íamos a festa íntimas, de conhaque a caipiroska improvisada. Quando me cansava de todos, sentava para observá-la; aí ela se fazia mais bonita, assim de propósito mesmo, e eu me apaixonava de novo. Não de novo porque o de antes tinha acabado, e sim paixão somada a paixão, sempre mais.
Ela morava com o pai por capricho, pq trabalhava e podia se manter mt bem. Eu não aceitei uma cópia da chave de seu apartamento, claro que não. Então ela também não aceitou uma chave do meu e ficamos assim à mercê das campainhas. E gostava de viajar aquela garota! Quase sempre a trabalho, ligando de 2 em 2 dias. Sei que lembrava de mim constantemente. Certa vez foi a um programa famoso, foi entrevistada sem querer e não temeu falar do nosso romance. Me apaixonei de novo depois dessa e certifiquei que,definitivamente, seria foda me separar dela. Não que eu quisesse, mas aconteceria um dia...
Se dedicava muito ao trabalho. Com o notebook pra lá e pra cá criava coisas formidáveis. Tinha talento pra Publicidade, ainda que eu nunca tenha sido muito chegada a esses estudantes lá na faculdade. Era quase três anos mais velha e tinha riso de adolescente, bumbum também. Os amigos perguntavam oq ela queria com esse namoro e ela respondia: "Ser feliz". Eu reconhecia aos poucos que era exatamente isto que eu era qnd perto dela, apesar de seus esquecimentos (principalmente do seu supermercado do mês), das brigas por causa da abstinência sexual repentina, da implicância com meu jeito introspectivo das 6:00h às 7:03h da manhã.
Lembro de quando, num fim de semana anacrônico dentro do meu quarto sem cama, ela disse que queria um filho meu. O que podia dizer para uma mulher no auge da paixão, da juventude, plenamente amante e amada, que desejava um pouquinho mais? Pôde escolher entre homens e mulheres, porém enquanto mulher plena que era, jamais poderia fugir do instinto maior que é a maternidade. E oq eu diria a quem eu amava e daria todos os filhos que quisesse, se fosse possível? Não foi preciso responder, pois ela leu em meus olhos de 17 anos que não havia oq dizer.
Nunca entendi como certas pessoas, entre elas minha mãe, enxergavam aquele universo como uma aberração. Aquela criatura que descansava lívida, linda, vagando entre sonhos secretos, que se espalhava no meu leito de forma apetitosa e cálida, jamais poderia ser uma aberração.
Ela queria saber oq eu estava lendo, oq estava estudando, oq queria pro almoço do dia seguinte, oq é q curaria minha dor de consciência, oq é q eu sonhava em noites chuvosas. Gostava de dormir nos meus braços, de preferência com a mão em um de meus seios. Pode?! Claro q pode, podia...
De mim, tinha oq quisesse...e ela me queria.
Eu disse q um dia aconteceria de acabar, lembram? Pois acabou. Dava certo demais, era amor demais. Às vezes dava mt errado e isso era dar certo; me puxava, me tirava sarro, me degustava, me desprezava pra depois me querer mt mais. Isso me consumia, é verdade, e eu começava a querer dar um um rumo pra vida quando ela batia na porta e dizia q me amava. Era um rumo e tanto! Mas não enxergava futuro pra mim; não atrapalhava, mas não garantia nada. O problema era tudo se encaixar e eu mergulhar de cabeça. Terminamos.
Não houveram coisas a serem tiradas da casa da outra; só as lembranças e a dúvida de ter feito a coisa certa, mas recusaram-se a sair e é com elas que almoço agora. Hoje sei que ela não fuma mais, nem quer comprar o dvd de 'As Horas' , justamente na época em q sobra nas lojas. Não rói mais as unhas, esquece as lentes de contato onde não deveria, voltou a desligar a TV antes de dormir. Semana passada, um respeitável e despeitado amigos seu, veio dizer que se namorar uma garota de 17 anos pareceu uma merda, separar-se dela foi merda maior ainda.
Não mais nos encontramos ao acaso. Pra ser mais exata nunca mais desde o último dia.
Hoje chegou de Porto Alegre (viajou com o pai) e ligou-me dizendo:
- Olá. O Orly me pediu pra avisar da festa na casa dele hoje às 21:00. Ele não sabe que não estamos mais juntas, mas não custaria fazer esse favor. É isso.
Repetir o recado da secretária eletrônica várias vezes parece coisa de moçinha apaixonada de filme, mas eu fiz. Lembrei de quando nos conhecemos e reparei como esses momentos estão sendo parecidos, começo e fim de namoro. Não de amor, de namoro.
Ela tinha certa aversão a nos imaginar como um casal lésbico de simpáticas velhinhas e eu consolava-a dizendo que iríamos morrer antes disso. Mas não morreremos hoje, porque nos apaixonaremos pela milésima vez e dessa não teremos medo."

Thursday, March 01, 2007

Lee?

Heinrich caminhava nervoso pelo apartamento. Revirava a mesa, os armários, por entre os livros, buscava as chaves. Reluzentes, preciosas. E Lee sabia onde estavam? Não, e nem queria. Limitava-se a serrar as unhas, sentada numa das cadeiras frágeis que ele comprara no mês passado. Fingia não ver, não ouvir as reclamações desesperadas, não sentir o cheiro de suor e perfume masculino dos mais caros que ele começava a exalar. Este cheiro que lhe trazia protetor solar e correria à mente. O som dos passos, da borracha do tênis em atrito com o azulejo branco e não varrido, é que a traziam de volta para a sala calorenta.
Heinrich sempre detestara aquele descaso constante de Lee. Ela parecia nunca estar aqui, nunca se importar com nada, nunca ouvir ninguém. Onde diabos ele deixara as chaves?! Podiam estar em qualquer lugar, que nem a consciência da garota sentada em uma de suas cadeiras novas, a qual sujava o chão com o pó que fazia de suas próprias unhas. Ele tinha tanto nojo daquilo; lembrava-lhe a imundície de Gorki nos quartos dos hotéis que dividiram durante a viagem pela parte feia do país. A saída de ventilação! Será que caíram lá?
Depois de debruçar-se na janela da cozinha, o rapaz foi atender a porta mais suado ainda. Lee queria um ar-condicionado. Heinrich não imaginava que era o zelador trazendo suas chaves. Lee lembrou-se que ter um caso com o zelador não era tão vantagem assim; ele também vivia em um forno mal-arrumado. O jovem zelador explicara a Heinrich que as chaves estavam caídas no terraço, mas ele, Heinrich, nunca foi ao terraço.