Tuesday, April 21, 2009

A dureza da vida, engolida à seco, a dureza da vida. Que era isso? Não se comparava a um suco de cupuaçu bem forte, nem a nenhuma limonada suíça. A besteira que passava e ela não via, nunca via. Do alto não dava pra ver, só se ela chegasse bem na janela. Às duas da madrugada os olhos ardiam e ela não sabia o porquê de ainda não estar dormindo. E também queria saber qual o problema. Devia ser glicose.
O açúcar que embaçava a vista, trazia a fadiga e deixava tudo mais molenga. Podia ser doença, mas quem ligava? Já dizia o poeta do senso comum, da opinião pública, da indústria de consciências: a vida tinha de ser doce. Talvez com mascavo, pra ter mais graça. E nesse mais de demasiadas soluções ninguém arregalava os olhos. Abri-los era estar adormecido...e vigiado. Quem olha para o lado entende o que eu digo. Quem acorda de um pesadelo inexplicado, no escuro, atordoado, procura, não acha, entende o que eu digo.
O ar vai. E volta. O açúcar fica. O pesadelo vai. A escuridão vem. As horas seguem ligeiras.

Tuesday, April 14, 2009

Embuste - A vida dos bonecos

O refúgio dos atores e de seus bonecos está na rua 16 de novembro, no Casarão do Boneco. Um casarão antigo, aos poucos reformado, grande. O corredor longo, de janelões espaçosos, nos dá passagem para o ateliê, o escritório, os banheiros, a copa e uma porta. Depois da porta uma escada que nos leva, afinal, ao anfiteatro. Onde antigamente era a sala da casa, atualmente está o mini-museu da In Bust. São diversos tipos de bonecos, agrupados em prateleiras, suportes ou apenas no chão. O processo de confecção e elaboração é responsabilidade de Aníbal Pacha, 51 anos, único artista plástico do grupo. Sentado no ateliê abarrotado de caixas e caixas de material como tecidos, tintas, colas, papéis, ele afirma que a última palavra é sempre dele em relação aos bonecos. “Não passamos meses trabalhando em um boneco. Não temos tempo nem necessidade disso”, diz. O material que será usado na confecção varia de acordo com o texto a ser montado. Isso explica a variedade dos bonecos. Grandes, pequenos, estranhos, bizarros e engraçados, como alguns feitos com minúsculas bolinhas de papel, os seres inanimados parecem transparecer emoções reais. Tudo devido ao trabalho detalhista dos in busteiros.

Mas em seus espetáculos as estrelas não são só os olhões e os corpos de madeira. O ator que interage com o boneco é fundamental, segundo os integrantes. “Não dá pra imaginar uma montagem nossa sem um ator-manipulador”, diz Adriana Cruz. “Se tiver, não é nossa”, completa Paulo Nascimento. Esse ator coadjuvante ou tão importante quanto os bonecos para a dramaturgia de certos textos, já é inerente à pesquisa dos atores sobre teatro de bonecos. Ou com bonecos, como preferem dizer por uma questão de entendimento deles mesmos. “É com bonecos, porque é o que fazemos”, dizem.

O espetáculo “Sirênios”, criado em 2005, é um exemplo do argumento sincero dos atores. Aníbal, Adriana e Milton Aires – ator convidado e colaborador constante do grupo – dividem o palco para contar a história do peixe-boi, único herbívoro dos mamíferos aquáticos. Adaptado para proporções menores, diferente da montagem original que tinha bonecos enormes, o espetáculo intercala atuação humana com atuação ilusória dos bonecos. Graciosamente o texto flui de forma encantadora. Não só pela lenda, mas pela atmosfera lúdica do momento. Bonecos feitos de cestas e paneiros ganham vida de Itá, Itu e Ité. A água é como uma grande bandeira que tremula pela ação do ator. O artista passa de pura manipulação a caboclo ou português em questão de segundos. É a prova legítima de que o ator e boneco precisam se encontrar frente a frente. Não é que o boneco por si só não tenha graça, mas o ator completa a catarse, mostrando que isso é um espetáculo completo.

A origem de quase todos os atores é paraense, mas as histórias são diferentes. Adriana, 31 anos, carioca, mas criada no Pará, sempre acompanhava o pai nos centros comunitários, onde este dirigia peças com elenco infantil. Depois de grande, largou de ser professora para ser atriz. Aníbal, 51, veio de trabalhos com cinema, fotografia e publicidade e entrou em cena pela primeira vez com a Usina Contemporânea de Teatro nos anos 90, mesma época em que conheceu Paulo. Este por sua vez, atualmente com 40 anos, tomou gosto pelo teatro ainda moleque, quando resolveu fazer uma oficina de teatro para ver como era. Viu e nunca mais parou. Ele diz que outro fato que vivenciou e lhe encantou foi assistir a montagem de “Pluft – O fantasminha”, com o grupo original de Maria Clara Machado, no Rio de Janeiro. “Foi fantástico”, diz. A quarta integrante, Cristina, 42, foi a última a entrar. Em 2005 assumiu a produção do grupo e entrará em cena no próximo espetáculo “Catolé e Caraminguás”.

No início da carreira, sentiram o preconceito com o teatro de bonecos. Todos achavam que era um tipo menor de teatro e este foi um dos grandes estímulos para os in busteiros se fazerem respeitar. O grupo foi do primeiro passo com um espetáculo modesto chamado “Mini Minutos de Fama”, em 1996, a um grande sucesso chamado “Catalendas”, levado ao ar pela primeira vez em 1999. O programa televisivo com duração de 15 minutos, exibido na TV Cultura, em rede nacional, conta mitos, lendas e causos da cultura popular através do teatro de bonecos. O sucesso é sutil. “Nós não temos noção da dimensão disso. Só quando viajamos pra outros estados, mas ainda assim, não mensuramos o tamanho do sucesso”, diz Adriana Cruz, a atriz manipuladora da Dona Preguiça, personagem popular pela sua voz peculiar.

Uma das grandes dificuldades para se fazer teatro, segundo eles, é o público. A massa que se afastou dos teatros, massa que frequentava teatro a muitos anos atrás como se fossem clássicos da seleção brasileira de futebol hoje em dia. Aí consiste um dos principais motivos para a In Bust realizar projetos como o “Bonecos na Estrada”, que leva seus espetáculos para municípios do interior do estado. Mostrar arte para quem não tem ao alcance, de forma gratuita. Aglomerar pais e crianças ao redor de um cenário simples para assistir algo diferente. Este projeto já passou por 43 municípios e foi apresentado para cerca de 18.500 pessoas até agora.

Entre apresentações em escolas públicas, comunidades do interior, centros comunitários, festivais, Casarão, gravações do “Catalendas”, a In Bust Teatro com Bonecos é uma representante expressiva da cena artística paraense, já tão defasada de novidades que valham a pena. A In Bust não é novidade, no sentido efêmero, corriqueiro e relâmpago. Ela é realidade no sentido mais positivo. Não é produto de massa, é produto para todos. Principalmente, porque é possível.