Wednesday, April 02, 2008

minha renata e seus dois amaurys

Duas partes distintas dele, com 12 anos de diferença. Duas histórias originadas do mesmo homem. Atribuem a mim como sua maior herança, a personalidade. E a ele, o pequeno, o físico. Algumas vezes a opinião se inverte. Do que não há dúvida é que somos perpetuações inquestionáveis. Não saberia falar de suas virtudes, mas uma de suas vantagens é poder contar com duas versões em nada falsas para reiterar sua dignidade. Se eu falar de sua ausência, o pequeno atentará para sua presença lacônica, a qual só compreendi quando nos encontramos frente a frente e vi que era quase um perfeito espelho. Se o pequeno lembrar-se do seu sorriso, por vezes tenso, vou sentar-me com ele e pedir que me conte mais a respeito, porque muito do que enxerguei não foi assim.

Ele gostaria de me delegar responsabilidades, sabendo o porquê delas, mas desconhecendo minha capacidade. Se ele tivesse feito, eu teria acatado para, de alguma forma, passar a aceitá-lo e conhecer a outra metade da minha história. Para o pequeno também deveria ter planos e talvez raciocinasse todos os dias, sempre que pudesse, a respeito de como lhe proporcionar o melhor. E esse era seu jeito, aliado aos trejeitos práticos e objetivos, logo, ligeiramente tortuoso, de nos afagar.

Ao partir, ele mergulhou-me no período mais intenso, mais sofrido, mais solitário da vida até então. Eu poderia não me deixar intimidar ou não conceder-lhe perdão, mas o pivô de nossa separação foi a estupidez humana e uma certeza estranha que sinto, é que estúpido ele nunca foi. Chovia na hora da partida; chovia no momento da confirmação. O céu me ajudava no pranto que me desfalecia. O pequeno olhava tudo de perto, agachado em cima do jazigo azul.

O melhor presente que me deu é baseado na incerteza de sua legitimidade e demorou 19 anos. Delegou-me uma última responsabilidade: o pequeno. Essa me assombra, me pesa, me determina, me desafia. É um espelho com a metade do meu tamanho, trazendo a metade da metade da minha história. Eu lhe reflito aquilo que não viu daquele que partiu e o que ainda está por ver se me acompanhar e pudermos juntar essas histórias.

Hoje começa o sexto mês de ausência e desespero oculto. De força arrancada às pressas do nada, de busca incessante por compreensão, de luto permanente e de surpresas dolorosas.

O pequeno e eu somos duas continuações inesperadas de um mistério personificado. Gostaria que ele voltasse, nos acomodasse em seu colo e nos contasse toda a história até dormirmos, sentindo sua respiração e a paz que só reconhecemos nos braços do pai.