Thursday, August 17, 2006

In Your Placebo

Então deixou segurar-lhe a mão;
Macia, levemente gélida, delicada...
Olhos doces, felizes, alertas. O toque suave de seu rosto...
O abraço simplório como um alívio no meio do temporal...
Parar no tempo para uma caminhada mágica e quase secreta...

Então deixou segurar-lhe a mão,
Pois estava frio; estava estranho. Havia algo no ar...
O amor lacônico e bege...
Perceber o quanto se faz feliz e ouvir seus gestos gritando por entendimento...
Palavras perdidas em declarações subliminares, sorrisos nervosos...

Então deixou segurar-lhe a mão;
A terra molhada era mórbida e assustava...
Surgiram vazios no calor da conversa...
O vinil no lugar errado...
O som censurado...

Então deixou segurar-lhe a mão:
Acordara de um sonho incapaz.

Saturday, August 12, 2006

Pródigo assim

Certa vez perguntaram-se se ela tinha um lado bom. Questão, no mínimo, impregnante; ao menos para quem tinha teima congênita. Nas viagens de casa para lá, de lá pra cá, de cá para onde quer que levassem, repousava o livro no colo e partia numa divagação silenciosa a respeito disto. Remontava peça por peça alguns fatos, tentando não deixar escapar nada que parecesse relevante, mas até o relevante era por demais relativo. Não era bem o caminho. Voltava a ler.
Um dia, um bem normal - na real, peculiar para ela -, os raios solares matutinos mais intensos que ela já havia visto desde o dia em que caíra naquele poço mofento do sítio, invadiram o leito e pareceram dar-lhe a resposta então. Não estava prestes a morrer, porém num segundo tudo passou diante dos olhos (pareciam mais ter transcendido uma barreira insólita do tempo) e constatou: era uma filha da puta, no sentido não literal, mas prático do que lhe convinha.
Uma filha da puta de braços abertos para o mundo. E sorriu.

O mapa

Ela o queria. Com tudo que lhe fosse inerente, desde maus cuidados a empecilhos providenciais. Necessitava. Sabia o quanto era difícil encontrá-lo se empenho verdadeiro não houvesse, mas o desespero já se apoderava até do que ela não podia enxergar. Sentia-lhe chegar de manso, devastador, um crápula legítimo em matéria de sentimentos. O mapa - ela sabia.

Friday, August 04, 2006

Continue

Tarde da noite, deitava sem pensar, sem querer mais se mover, perdia tempo com a tecnologia pedante de seu tempo. Não podia falar, nem ensurdecer para falácias - como num desejo de conto de fadas. Os livros, de conteúdo retrógrado e não imbecilizantes, remetiam-lhe a um tempo em que talvez ela não se sentisse mal; pelo menos não tanto quanto naquele exato momento. Preferia imaginar - não sonhar, imaginar! Enxergar de olhos abertos um futuro promissor, pródigo, sem solitude acompanhante e presenças indesejadas. Menos intolerante, passiva de elogios verdadeiros, amigos plenos, tudo bem; talvez um pouco infeliz, mas só um pouco.
Parava por aí, pois os olhos iam cerrando com o arder e ela mergulhava em si, já que seus verdadeiros sonhos mesclavam-se com a realidade e faziam-na ter a impressão de que não sabia viver.

Thursday, August 03, 2006

Continua

Caminhava, tentando olhar pra frente, não derrubar nada das prateleiras, nem pisar em nenhum pé de mau humorado. Sempre a mesma cautela oculta, neurótica. Procurava, despretensiosamente, qualquer velha novidade mais barata; não encontrava. Sem ser questão de sexo ou cor, aguardava alguém que coubesse no seu sonho, como diria Cazuza; não encontrava. Cansava de ouvir que o amor não se procura, porque assim ele se afasta, cansava de olhar para todos os lados avidamente, buscando um rabo de cavalo idêntico àquele que viu (ou àquele outro que via de segunda a quinta). Não, nada parecido.
Convenceu-se, enfim, de que a solidão lhe caía bem e ouvia essa parte da música seguidas vezes. Tentava ler, mas não podia. Não era o que o coração aspirava...não naquelas tardes de terças maçantes e ociosas. Lembrava então do que já tinha passado, porém os fatos não se conformavam em ficar no que não volta mais. Se é assim, fique.