Monday, May 22, 2006

Seqüestre o coelho.

Às vezes parece que um universo paralelo, caótico (não faltei nessa aula de História da Filosofia não), ridiculamente simplório, conspira por algo incompreensível. Assemelha-se a um andarilho de mente sórdida, que dá rasteiras nas crianças hiperativas e assalta os pomares alheios. Duvida? Pois bem, você vai sair e a porta não quer fechar, precisa insistir até que ela pare de teimar, causando um estrondo daqueles. E a modernidade que trouxe as maçanetas seguras, enrigecidas por fora e de leveza sã por dentro, não lhe dá o direito de voltar. Suas chaves ficaram lá dentro e agora um andarilho come pêras, sentado no chão, recostado na sua porta.

Duvida? Pois não, eu...até lhe mostraria a silhueta dele, mas você já pediu a ajuda da vizinha e neste momento alguém se esbalda em gargalhadas não pausadas, cuspindo minúcias de pêra para todos os lados. Não há escada que alcançe os azulejos altos do seu andar. Os vizinhos já se aglomeram querendo saber o que você faz parado com cara de infeliz quase no meio da rua.

Eis que surge, não mais que de repente, Jarrão. O andarilho até arrisca olhar para fora, controlando o riso, ensaiando um arremesso de meia fruta na cabeça deste, porém hesita; tamanha é a massa de Jarrão, que a pobre pêra talvez voltasse para onde veio...e doeria. O gigante que sobe a rua caminhando consegue uma escada, pula a janela (tem alguém escondido no seu armário) e abre a porta. Pronto, pode subir, armar a rede e ajeitar a antena. Ahhh, mas a vizinha lhe chama! Cozinharam peru, jogaram no tucupí, com arranjos de jambú. Vá comer, que o andarilho sabe voltar sozinho. Aliás, dizem que o nome dele é Destino e no tal universo paralelo tudo acontece em nome dele. Duvida? Pois continue.

Sunday, May 07, 2006

Ah, mas é assim mesmo!

- Não quero sanduíche, quero comida.
- Sobe que eu te encontro assim que achar uma vaga.

Arroz branco. Ele comprou o jornal e quase esqueceu o óculos. Frango à milanesa. Ainda que tenha pena do dinheiro, manda pagar com a nota gorda. Filé com quatro queijos. Não há nada que compre a mais ínfima amizade por mim. Nem minha presença. Picadinho à jardineira. Parece amnésia de 17 anos, mas nem isso conseguiu apagar os traços da natureza. Seriedade dispersa, controle disfarçado, responsabilidade trivial. $10,08.

- Uma Coca-cola, por favor.

Alumínio gelado, plástico escorregadio, porcelana pesada. Ele brinca com os cadernos esportivos, policiais, mundiais. Jogo o troco como se não quisesse nada. Aquela mulher teima em comer um pão mais largo que a boca; eu só acho salgado. A fila para a pizza cresce; famílias acham-se confortavelmente acolhidas sob um teto burguês; eu só sinto-me imune. Todos tão feios, desformes. Hoje todos estão terrivelmente deselegantes, sem compostura que lhes caiba. É interessante dividir a mesa com ele, porque assim não transformo minha face em uma grande interrogação procurando a resposta certa para "É seu pai?".
A vida não é mais a mesma e isso basta para compreender o aconchego oculto de sua presença.

- Opa! Tem uma chave de carro caída no chão, senhor.
- É minha, obrigado.

Ele é impassível de movimentos, sabe fazer pose de pai importante e eu sei comer como filha legítima.
É sábado à noite, jornal do domingo seguinte, alimentos de buffet, gente demais.

- Pai, terminei.